O jubilamento, entendido como o
desligamento ou afastamento compulsório de aluno de Instituição de Ensino
Superior (IES) por ter ultrapassado o prazo máximo permitido para a conclusão
do curso, foi introduzido no direito brasileiro através da Lei n.º 5.789/1972,
que dava nova redação ao artigo 6º do Decreto-lei n.º 464/1969[1], nos seguintes termos:
Art. 1º O artigo 6º do Decreto-lei
n.º 464, de 11 de fevereiro de 1969, passa a vigorar com a seguinte redação:
‘Art. 6º Na forma dos estatutos ou
dos regimentos, será recusada nova matrícula, nas instituições oficiais de
ensino superior, ao aluno que não concluir o curso completo de graduação,
incluindo o 1º ciclo, no prazo máximo fixado para integralização do respectivo
currículo.
§ 1º O prazo máximo a que se
refere este artigo será estabelecido pelo Conselho Federal de Educação quando
for o caso de currículo mínimo, devendo constar dos estatutos ou regimentos na
hipótese de 1º ciclo e de cursos criados na forma do artigo 18 da Lei n.º
5.540, de 28 de novembro de 1968.
§ 2º Não será computado no prazo
de integralização de ciclo ou curso o período correspondente a trancamento de
matrícula feita na forma regimental.’
Art. 2º Esta lei entrará em vigor na data de sua
publicação, revogadas as disposições em contrário.
A Lei n.º 9.394/1996 (LDB), em seu
artigo 92, revogou expressamente a Lei n.º 5.540/1968 e também as demais leis e
decretos-lei que a modificaram (entre os quais a Lei e o Decreto-lei acima
referidos) e quaisquer outras disposições em contrário[2].
Nesse sentido, no plano das normas
gerais do Direito Educacional brasileiro, não há mais qualquer base legal para
desligar estudantes, no âmbito da educação superior, tendo por base o argumento
de que ultrapassaram o prazo máximo para a conclusão dos cursos aos quais
estariam vinculados. A legislação que trazia essa obrigatoriedade de
desligamento foi revogada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDB) de 1996.
Some-se a essa revogação também
outras inovações trazidas na legislação educacional, dentre as quais cabe
destacar a substituição dos currículos mínimos pelas diretrizes curriculares[3]. E as diretrizes curriculares
definidas pela Câmara de Ensino Superior (CES) do Conselho Nacional de Educação
(CFE) nos últimos anos, para os diversos cursos superiores, não mais fazem
referência aos seus tempos de duração, sejam os mínimos, sejam os máximos.
Também é necessário destacar que o
Parecer CNE/CES n.º 184/2006, na proposta de Resolução que o integra, institui
as cargas horárias mínimas para os cursos de graduação, bacharelados, na
modalidade presencial; entretanto não fixa prazos, nem mínimos e nem máximos,
para a duração desses mesmos cursos[4].
Sintetizando pode-se dizer, no
plano jurídico, que o jubilamento não existe mais porque a Lei que o instituía
foi revogada e também porque as novas diretrizes curriculares sequer fixam
tempo máximo para a duração de qualquer curso superior.
No plano político é importante
destacar que a criação desse instituto ocorreu durante o regime militar e era
um forte instrumento político de combate aos “estudantes profissionais”, entendidos
como os militantes que permaneciam matriculados em cursos superiores por um
longo período de tempo, com o objetivo de participar do movimento estudantil e
fazer política no âmbito das IES, em especial as Universidades.
Também nesse período a política
oficial era, pelo menos em parte, de restrição à criação de novos cursos e
instituições; não havia uma política de expansão do sistema e do número de
vagas ou qualquer incentivo à ampliação do acesso à educação superior. Dentro
dessa realidade, a manutenção, por tempo indeterminado, de um mesmo estudante
ocupando uma vaga na educação superior significava a impossibilidade de outro
candidato ocupá-la.
Contemporaneamente a política
educacional está centrada em uma perspectiva totalmente diversa: a da ampliação
do acesso[5]; atualmente em muitos cursos
públicos e em grande parte dos cursos privados já há sobra de vagas.
Nesse contexto, não guarda
qualquer sentido afastar da sala de aula o estudante que, pelos mais diversos
motivos, não pode concluir o curso dentro de um período determinado de tempo –
até porque não havendo essa fixação por parte do CNE, a sua fixação pelas
próprias IES pode ser absolutamente arbitrária, sem a adoção de qualquer
parâmetro homogêneo entre elas.
Deve-se considerar, ainda, a
situação financeira de grande parte daqueles que contemporaneamente tem acesso
ao ensino superior, estudantes com renda de um a três salários mínimos. Esses
estudantes possuem, de um lado, o direito de acesso à educação superior e, de
outro, a impossibilidade de o exercerem em tempo integral e até mesmo de
cursar, a cada ano ou semestre, todas as disciplinas de uma mesma fase ou
período. Sua permanência no sistema por um prazo longo deriva não da sua
simples vontade ou da ausência de condições intelectuais, mas sim de uma
impossibilidade material: precisam viver com o pouco que ganham, sendo o curso
superior “levado” dentro das possibilidades de um orçamento extremamente
limitado. Desligá-los do sistema, por decurso de prazo, não possui qualquer
sentido.
Situação que talvez mereça uma
reflexão mais acurada diz respeito ao jubilamento nas IES públicas. Nelas se
pode alegar que a manutenção de um estudante além de um prazo razoável (já que
a princípio não mais existe prazo legal) para a conclusão do curso significa
gastar dinheiro público sem um retorno objetivo, bem como ocupar uma vaga que
poderia estar sendo utilizada por outro estudante.
Essa argumentação omite, em
primeiro lugar, que a ocupação de vaga, adquirida mediante processo seletivo
próprio, não reduz o número de vagas para os novos processos seletivos; e
também, em segundo lugar, que o desperdício do dinheiro público ocorre
exatamente quando se jubila o aluno, pois nessa situação o dinheiro público já
investido é perdido, quando seria muito mais adequado, em termos de seu
aproveitamento, permitir a conclusão do curso por parte do estudante que muitas
vezes já se encontra em sua fase final.
Pode-se, com base no exposto,
afirmar que:
a) não há hoje, considerando-se a
edição da LDB de 1996 e as novas diretrizes curriculares, nenhuma base jurídica
para o desligamento compulsório de qualquer aluno de curso superior tendo por
argumento o fato de ter ultrapassado o tempo limite para a sua conclusão; e
Ressalte-se, finalizando, que as
normas educacionais, de forma geral, devem ser interpretadas no sentido de
garantir o acesso (ingresso inicial e reingresso) e, uma vez assegurado esse
acesso, garantir a permanência do aluno no sistema, e mesmo sua reintegração,
até que possa concluir o curso. Qualquer mecanismo de desligamento de alunos de
curso superior deve levar em consideração critérios qualitativos – mérito[7] – e não critérios meramente
quantitativos, como o tempo de vinculação ao curso.
De outro lado, necessário
considerar a autonomia universitária, concedida pela Constituição Federal de
1988 e seu alcance nessa matéria. Esse não é, entretanto, o objeto deste
artigo. O que se buscou focar aqui foi exclusivamente o fato de que não mais
nenhuma lei federal que torne o jubilamento compulsório, de forma direta.
Considerando essa situação, o jubilamento somente poderia acontecer (em tese)
com base em normas próprias das IES, desde que amparadas pela autonomia
universitária e respeitados, de forma plena, o contraditório e a ampla defesa.
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© RODRIGUES, Horácio
Wanderlei. Jubilamento ainda existe? Revista @prender, Marília, n. 32, p.
56-57, set./out. 2006.
[2] A Lei n.º
9.394/1996 (LDB), em seu artigo 92, também revogou expressamente as Leis n.º
4.024/1961, n.º 5.692/1971 e n.º 7.044/1982, bem como as demais leis e
decretos-lei que as modificaram e quaisquer outras disposições em contrário.
[3] A Lei n.º
4.024/1961, com a redação dada pela Lei n.º 9.131/1995 ao seu artigo 9º,
parágrafo 1º, alínea “c”, estabelece ser competência da Câmara de Ensino
Superior (CES) do Conselho Nacional de Educação (CFE) “deliberar sobre as
diretrizes curriculares propostas pelo Ministério da Educação e do Desporto,
para os cursos de graduação”.
[4] No artigo
“Tempo de duração do curso de Direito” (Revista @prender, Marília, n. 26,
p.58-59, set./out. 2005) defendi a posição de que continua aplicável o tempo de
duração do Curso de Direito fixado na Portaria n.º 1.886/1994, tendo em vista
que as novas diretrizes não tratam da matéria; continuo mantendo essa
interpretação, mas ela perde qualquer sentido no momento em que a minuta de
resolução que segue em anexo ao Parecer CNE/CES n.º 184/2006 for editada.
[5] Ver RODRIGUES,
Horácio Wanderlei. Acesso à educação superior e transferência entre cursos e
instituições. Revista @prender, Marília, n. 31, p. 60-61, jul./ago. 2006, p.
66-67.
[6] Já não havia
no passado; a utilização do jubilamento como instrumento político de combate à
militância política no âmbito das IES é profundamente antidemocrática, como o
era o próprio regime no qual foi instituído.
[7] O acesso
inicial à educação superior, segundo a Constituição Federal (CF), deve ocorrer
considerando a capacidade individual: “Art. 208. O dever do Estado com a
educação será efetivado mediante a garantia de: [...] V - acesso aos níveis
mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a
capacidade de cada um; [...]”. Esse mesmo critério deve ser também aquele a ser
adotado para o desligamento.
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SOBRE PORQUE NÃO RESPONSO CONSULTAS DE CASOS PARTICULARES
Nos últimos 10 anos tenho recebido diversos e-mails e comentários com dúvidas e perguntas sobre o tema Jubilamento. Como não advogo e não pesquiso atualmente sobre o tema, o artigo postado neste blog contém a minha posição histórica, não tendo mais nada a adicionar. O artigo Direito à Educação traz alguns elementos complementares que podem ser importantes para quem desejar questionar o jubilamento e pode ser encontrado em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/sequencia/article/view/15207
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TAMBÉM SOBRE O TEMA - ARTIGO DE JOÃO MORENO POMAR
Link: http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=2391
5 comentários:
Caros, trabalho com educação e atuo como advogado também. Entendo que as Diretrizes curriculares e os formulários apresentados nos processos de credenciamento e autorizaçõa estipulam prazos mínimos e máximos para a integralização de grade curricular. A partir do momento em que o prazo máximo é atingido, o desligamento compulsório [jubilamento] deve ser aplicado ao aluno, haja vista que há previsão de prazos para integralização de curriculum.
Entendo tua posição, mas não me parece que seja tão simples: há o direito fundamental à educação. E nas instituições publicas há todo o custo já despendido com o aluno. Além disso, o que eu digo é que não há mais jubilamento com base em lei federal, o que havia na antiga LDB. Tenho um artigo bem mais longo no qual trato do direito da educação. Também sou advogado e trabalho com edução há mais de 35 anos.
Link para o livro onde está o artigo referido; é o capítulo 12, inicia na página 349:
http://www.uit.br/mestrado/images/publicacoes/E_BOOK_Coletanea_Proposicoes_critico_reflexivas_sobre_o_direito_18.pdf
Preciso muito de uma orientação, fiz curso de administração com término em 2010, acontece q na época não fiz colação de grau c minha turma porque não tinha condições financeiras, e disse que era só solicitar minha documentação na secretária de conclusão só que estava com débito das últimas mensalidades informaram que precisava quitar, anos se passaram e por infelicidade fui seguindo um rumo profissional que nao exigia a formação e fui adiando essa busca da documentação de conclusão, agora em 2019 tive uma trágica notícia fui na faculdade informaram que estava c 2 matérias pendentes situação que nunca tive ciência e informaram que meu curso jubilou que teria que fazer mais um monte de matérias pra me formar sendo que só consta na minha histórico 2 matérias reprovadas.. o que devo fazer me ajudem por favor !
Um cursos auxiliares pode ser jubilado. Pois faço auxiliar de saúde bucal
fazia Secretariado numa Universidade Federal.. por razões pessoais precisei parar antes do ultimo período. Demorei enormemente a voltar, quando quis fazê-lo estava jubilada. Sim. Fui jubilada numa federal. Fiz vestibular de novo, passei e voltei. Tive de cursar as matérias restantes mais as que haviam entrado e as que eu tinha cursado foram contabilizadas. Papo furado de que não existe. Jubilamento existe sim
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